2 de set. de 2008

tatuagem



Teu nome gravado no meu corpo. escrito em letras de forma, algo solene. percorro a silhueta com os dedos, refaço o desenho. meu corpo nas tuas letras, caderno de caligrafia. ajeita a gramática da escrita reta, entorta na pele o que é não para ser reto. o que não pode ser reto. refaço teu nome, com teu jeito, com tuas curvas, te imagino tatuada em mim, doce sensação de propriedade. o papel branco da pele oculta as escritas negras, mas o branco da tua pele cravado nela salta aos olhos. teu nome gravado num corpo, que seja ao menos o meu.

26 de ago. de 2008

cavaleiro



Preciso de força para derrotar os moinhos e perseguir os fantasmas. minha luta é rebelde, meu exército solitário e roto. as palavras de ordem e o punho cerrado são contra o tempo, contra o vento. o olhar fraterno e a lágrima petrificada são lembranças e apenas lembranças, nada mais. ando por campos planos a procura do inimigo que jamais virá. a força do destino fez a batalha ser silenciosa, os inimigos soprando nos ventos e andando sempre ao lado. o inimigo fez morada na minha solidão. e assiste de camarote a minha derrocada.

2 de ago. de 2008

insônia


Lago castanho onde em sonhos tenho perdido meu tempo, pequeno universo cristalino onde meu mundo esbarrou. em que profundo mistério anda imerso esse olhar. em que estranhas paisagens perdeu-se a procurar. de que estrela roubaste o brilho, de quantas noites é o teu luar? amanhecido por tuas horas, minha insônia espera companhia. espera silente por motivos grandes para adormecer. espera teu olho cobrir a madrugada com o manto da calmaria, para enfim buscar conforto. e dormir.

18 de jul. de 2008

sombra



Não me peças para não ser o que sou. que o que sou não me é de escolha, apenas é. encontro saudade nos pequenos gestos, busco conforto nas tuas lembranças. os meus olhos de saudade imensa ficam imersos nos teus, sento a sombra da tua arvore e deixo o tempo passar. deixo que o tempo goteje os minutos e empilhe as horas longe de ti, para em seguida saborear os segundos ao teu lado. deixe meu verso livre para percorrer teus versículos, tuas estrofes de rima fácil. o desenho da tua nuca e o singelo do teu pé. porque tua beleza inspira o que há de nobre em mim. e isso não posso mudar.

barba


Minha barba cresce em compasso com minha preguiça. os fios vão crescendo, o espelho denuncia minha rabugice. denuncia o jeito incomum de lidar com minha natureza. o tempo que descorre sereno transforma meu espectro de menino-moço em uma estampa sacra, uma imagem de um homem santo. alguem que eu nunca seria. não escondo a infeliz idéia de envelhecer a cada ciclo, que se renova quando não resta alternativa que não seja a navalha. a navalha tira de mim o pouco de seriedade e maturidade que reservo em poucos dias. para que o espelho mostre um menino que tento esconder, em vão.

17 de jul. de 2008

rosto



Teu rosto imóvel na minha frente. procuro marcas, pequenas vincos, algo que não seio o que. procuro meu próprio rosto em ti. teu desenho meigo, em contrapartida silenciosa com meu traço tosco. minha boca ora pequena, ora grande, espera impaciente. tua delicada boca ensaia um sorriso de canto. fico a olhar as pintas em torno do pequeno nariz. tua respiração me acalma, o castanho do teu olho aquece. procuro em ti minha barba rala, minhas olheiras de ontem e um gosto de eternidade que só tua boca tem.

noiva



Esquia silhueta da noiva, em branco contraste com a noite de luar enegrecido. pedi a lua em casamento, sete meses a olhar o céu, esperando resposta. vesti-me com o negro de seus trajes, riscado com o liso das estrelas. as noites nunca mais seriam as mesmas, admirava á distância, tinha ela em meu peito, imaginava seu gosto. vi ela minguar, crescer, vestir-se de noiva com os véus da cerração, abandonar-me no altar. andei por ruas vazias, sapatos á mão, pensamento nela. ela sabe que onde me encontrar, em uma esquina qualquer, sentado nos calcanhares, olhando pra cima.

areia



Construí um castelo de areia numa praia deserta, esperando ondas que jamais virão. as minhas mãos de oleiro descansam no acre limpo da areia, meus olhos no desterro do além mar. desde pequeno minhas construções são uniformes, imagino palacetes, construo palafitas. o distanciamento do projeto para a construção é fruto da minha inabilidade com a forma. sou mão-de-obra barata, os castelos todos ainda estão lá, nem a maré alta se interessou por eles. procuro o limpo da água, as linhas da mão se dissolvem entre a espuma. as ondas que não levam castelos são as mesmas que planificam a areia da orla sistematicamente. e planificam meus pensamentos enquanto a areia molhada escorre por meus dedos toscos.

olhos de outono



Que eu não seja reconhecido na rua, por aqueles que já deviam ter me esquecido. desejo o estranhamento de um primeiro contato. que meu rosto infantil não mostre o quanto sou esquecido, o quanto me de mim já não tenho mais. que errei em ter crescido, teimando em parecer maduro, afetado, quando minha alma corre brincando de pegar. não esqueci de crescer, mas minhas mentiras ainda soam como de criança. escondo o vaso quebrado, faço como se nada tivesse acontecido, mesmo estampando a culpa. com minha cara disforme pedindo compreensão. ando por ai inventando desculpas para parecer o que não sou. Pra que todos digam que mudei, sem ter mudado. Que os meus olhos de outono se perderam no inverno, no verão, ou continuam ali, tentando esconder o que não tem como.

leitura



Leio tudo de contracapa á capa. minha leitura é inspirada ao avesso, meu raciocínio invertido. reflexo do meu olhar atravessado, da contrariedade com a ordem. meu entendimento é difuso, mesquinho com as regras. traduzo o mundo com a rebeldia voráz de quem não quer apropriar-se de opinião alheia. portando não traduzo nada. invento anedotas lendo provérbios, arranco as rimas do poema, para ler como prosa. ler tudo de trás para diante é minha maneira de entender tudo, sem entender nada. de mostrar para todos que já li o final.

sem titulo



Tenho sede daquilo que ainda nem pus na boca, bebo teus sorrisos sem que olhes para mim. mas tua ajuda eu refugo, não preciso de falsos degraus. os que tenho já são muitos. então não jogues em mim tua caridosa lástima, que tenho planos de não te ouvir. e se por acaso ouvir, não escutarei. continuarei olhando nos teus olhos, mas não quero fazer de tuas palavras a tábua de salvação das minhas agonias. elas por si só se bastam. encontro sossego em meio ao temporal, minha agonia é insípida. mas tenho na boca o gosto do desgosto. e as palavras que digo também. por isso sigo sentado e imóvel, observando mais que do que sendo observado. sentindo mais do que sendo sentido. transito com meus olhos por caminhos internos, conhecidos. mas onde me perco facilmente. quero a solidão dos dias sem sol, quero dias com muita lua. que seja dispensado dos crepúsculos e de muita luminosidade. a umidade da chuva me fará companhia.

16 de jul. de 2008

meias palavras


Retirantes, Candido Portinari.

Prefiro as meias estações. Detesto meias palavras. Tenho apreço por sorrisos largos, verdadeiros. Comprei dois quilos de ilusão barata no armazém da esquina, revendi a preço módico, mas com lucro, duas quadras depois. Uso sutileza até para falar em tragédias, abuso de metáforas sem sentido, apenas pela beleza literal da frase. É um falar vazio mas que por vezes se faz necessário, a dureza da vida é muita, camuflo com palavras. As ilusões sempre trazem alento, por isso me desfaço rápido, antes que o previsível ocorra. Ilusões e meias palavras são gomos da mesma laranja. E talvez tenham o mesmo preço. Não se vende meias estações, guardaria dinheiro para comprá-las, venderia todas minha ilusões, meus sorrisos verdadeiros e as metáforas sem sentidos das meias palavras que, embora deteste, falo sem pensar.

a invenção da felicidade



A invenção da felicidade

Intumescido pela fumaça
De um dia sem muita graça
Inventei um sorriso falso...

Só para mostrar os dentes!

15 de jul. de 2008

vitrine



Não me dei ao luxo de olhar o fim da tarde de hoje. Era um céu rasgado, olhei de canto, sem interesse. E continuo a pisar nos cadarços desamarrados dos meus sapatos, vício antigo que não costumo me desfazer. E segue as pontas deles sendo pisadas por mim mesmo. Sem a menor cerimônia ou conseqüência. Mais que vicio parece síndrome, teimosia incrustada, como outras tantas. O sol já se pôs e ficou tudo meio vermelho e laranja, mas ainda não tive interesse ou força para olhar o horizonte, me falta apego a essas coisas mundanas. Minha pele meio pálida, meio turva, respira tudo de prosaico que há, mas absorvo muito pouco. Até o sol perde interesse por meu bronzeado nórdico. Talvez por isso não me sinta tão a vontade para ficar olhando ele se pôr, ou ainda admirando o que deixa quando cai do céu. São apenas cores, e meus olhos me enganam muito bem. A todo instante somos traídos por nossos sentidos. Imagino coisas que torno realidade em poucos segundos. E se desfazem em um tempo menor ainda. O cheiro do café é um alívio, mas também um veneno para os sentidos. O cheiro do café, o horizonte em compasso de despedida, minhas paranóias na vitrine. Produtos que evito ter em estoque na memória, embora tenha imensa capacidade de guardar coisas que não servem para nada, a não ser para serem lembradas em um momento de solidão. Que não são poucos. Esses cadarços que evito amarrar são os mesmo que reiteradamente torno a atá-los. Mas quis o destino que fiquem sempre soltos, e com o destino não mexo. Então que fiquem como estão. Nasci sob o signo da rebeldia, meu rosto respira contrariedade. Isso é destino, não posso mudar, embora tente. Tomo um gole do café, olho fixo para a atendente do caixa. Imagino que esteja vendo minha vitrine. Será que se interessou pelas paranóias?

e lá vamos nós... (parte 2)



troquei de servidor... aqui vai ficar um pouco melhor

edinho